Livro\cd «Poetas Portugueses de Agora», da Lisbon Poetry Orchestra, editado pela Abysmo
Horta Seca, Lisboa, 17 Março
Vou vivendo vários livros ao mesmo tempo, a pensar na cadência da frase, na profundidade de uma observação, a conversar com personagens, a dialogar, em silêncio ou não, com o autor, a vislumbrar a sombra do objecto. Matuto ainda no detalhe, nas inúmeras combinações a convocar para que se torne material um espírito volátil suscitado pelas letras. Depois, a urgência obriga-me a mergulhar como âncora em um apenas, aquele e não outro. Nos últimos dias foi «Poetas Portugueses de Agora», da Lisbon Poetry Orchestra. Primeiro foi a música do Tiago Inuit, Luís Bastos e Filipe Valentim, capitaneada pelo Alex Cortez a partir de busca da voz dos poetas, Cláudia R. Sampaio, Daniel Jonas, Filipa Leal, Paulo José Miranda e Valério Romão. Seguiu-se a harmonização das vozes deles com a dos diseurs, Paula Cortes, Nuno Miguel Guedes, André Gago e Miguel Borges. Muitas afinações depois, o papel começava a ser horizonte desenhado pelo Daniel Moreira, através de aproximações esboçadas em objectos e seres fragilizados pelo lápis, fragmentos de natureza, minerais e madeira, paisagens melancólicas, céus e paredes com sujidades, correcções a branco (exemplo algures na página). O livro chegou ontem, também ele concebido pelo Daniel como caderno de campo, diário de viagem, com páginas em branco para serem desenhadas pelos leitores a partir da experiência dos inúmeros concertos anunciados, ou do cd com vozes e música ou das palavras ou do silêncio. Hoje celebramos a exposição, não apenas de desenhos, mas da ideia que os sustentam, móveis que permitem aos que queiram sentar-se, ouvir, ler, desenhar. Uma janela apenas abre para outras linguagens, uma caixa com vista para a oficina do artista. , «Caderno de um Mundo Inacabado», assim se chama. O Daniel interpretou bem a força que se solta desta fragilidade, a palavra como ferida no joelho nascida do tropeção durante a corrida. Desenhou sobre o abysmo uma montanha que se pode tocar, subir com os dedos.
excerto do texto "Geometrias variáveis" do João Paulo Cotrim para o Hoje Macau sobre o Livro\cd «Poetas Portugueses de Agora», da Lisbon Poetry Orchestra e da exposição Caderno de um mundo inacabado na Abysmo galeria, publicado no dia 21 de Março.
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