sexta-feira, 5 de julho de 2019

"as pessoas que esperavam pelos autocarros espreitavam pela janela"



Inauguração
6 Julho às 21h30
Patente até 21 Setembro

All Brain

ana efe
Ana Lúcia Pinto
André Alves
André Silva
Dalila Gonçalves
Esgar Acelerado
João Pedro Trindade
José Maçãs de Carvalho
Manuel Santos Maia
Media Instáveis
Paulo da Mata
Pedro Valdez Cardoso
Reis Valdrez
Rita Castro Neves e Daniel Moreira
Rita Senra
Suzana Queiroga
Tales Frey
Tânia Dinis


Curadoria a cargo de Ana Efe e All Brain
Texto de Vera Carmo e João Ricardo Moreira

“as pessoas que esperavam pelos autocarros espreitavam pela janela”


[Uma janela constitui uma interrupção nas paredes de um edifício, uma membrana onde o espaço privado e o público se encontram, confinam.] … [A janela do atelier fez-se janela da arte contemporânea e de uma massa de pessoas que, na sua maioria, não fazem parte do publico da arte contemporânea, proporcionando o encontro. Um encontro entre dois estranhos, no qual as regras da interação não correspondem ainda a um guião.
A relação entre o universo da arte contemporânea e o universo do público em geral é, quando existente, pontual.] … [Os espaços institucionais recorrem a estratégias de publicidade, à cedência ao entretenimento ou a serviços educativos. Procuram, afinal, implicar-se numa comunidade, constituir-se como lugares do quotidiano, muitas vezes sem melhores resultados do que servir grupos de turistas entediados que se demoram mais na escolha do tote bag do que nas salas de exposições. Deparam-se, a maioria das vezes, com a indiferença que arruma a arte no caixote da cultura geral, e de quem, mais pertinentemente – e talvez tendo nessa situação a causa da arrumação – não possui o chaveiro conceptual para interagir com o que é exposto e a isso se vê constrangido pelo próprio espaço onde se encontra – o museu de arte contemporânea. Já no caso dos espaços independentes a atividade que se desenvolvem foca-se mais nos artistas – visando disponibilizar e construir um contexto propício a uma criação sem constrangimentos - do que propriamente no público.
A Sput&nik The Window é particular precisamente porque Ana Efe e Luís Xavier, decidiram responder a essa audiência improvável e ensaiar uma interação com o espaço público de modo periódico e programado. A janela é assumida como a pedra de toque do projeto, um veículo de comunicação visual entre o universo da arte contemporânea e a rotina quotidiana daquela rua e daquele bairro, promovendo o encontro descomprometido dos que por ela passam com a arte e, desse modo, preenchendo e superando o abismo cultural que habitualmente separa o público geral das exposições artísticas. Assim, nasce a Sput&nik The Window: um espaço independente em que todas as exposições são pensadas, tendo em conta, em primeiro lugar, aqueles que não as vão visitar.
A questão que se levanta não é, tanto, a da relação com a comunidade, mas, simplesmente, com a vizinhança. A distinção é simples: se comunidade define o indivíduo através do grupo, naquilo que lhe é comum com outros, vizinhança define-o pela fronteira, ou seja, pela diferença (eminente). Os vizinhos, ao contrário da comunidade, têm rosto e até têm nome: Rui, Vitorino ou Salvador . Dos vizinhos sabemos que moram em frente ou duas portas ao lado. Sabemos a que horas partem ou regressam do trabalho. Se passeiam um cão ou se têm um gato por companhia (denunciado por quilos de sacos de areia). De nós, também sabem eles mais ou menos o mesmo, ou, muitas vezes, muito mais. A Sput&nik The Window nasce como consequência dessa curiosidade natural que nos detém por alguns segundos a espreitar o interior de uma casa pela janela.
E, na verdade, o edifício que alberga a Sput&Nik The Window é, simultaneamente, o lar da família de Ana Efe e Luís Xavier, diluindo-se entre as restantes moradas da rua do Bonjardim, o que agudiza a relação entre público e privado que, a propósito da janela, vínhamos trilhado até aqui. Há, nesta opção uma ação simbólica e prática de desmistificação da Arte Contemporânea, bem como uma rejeição dos codificados circuitos da mesma. Acontece assim uma aproximação ao outro - o vizinho e o anónimo transeunte - de uma forma natural e não invasiva. A própria estratégia de trazer a arte para a janela, injetá-la no espaço público e acolher os olhares dos transeuntes, promove o encontro sem que a pessoa tenha que se submeter ao “espaço artístico”, a arte surge no descomprometimento da via pública, misturada com o quotidiano, idealmente curto-circuitando-o.
A consciência da alteridade e, por isso, de uma vivência também ‘outra’ no mesmo espaço, ditou não só a génese da Sput&Nik The Window, como a sua maturação. Ao mudar do número 169 da Praça do Marquês de Pombal para o número 1340 da Rua do Bonjardim, Ana Efe e Luís Xavier viram-se orfãos da paragem de autocarro que lhes servia de chamariz. Adoptaram, então, um modo mais direto de relação com a vizinhança propondo uma participação ativa no projeto aos comerciantes da rua através da cedência das suas próprias montras para uma extensão de cada exposição da Sput&Nik The Window. A relação passa então da simples curiosidade para uma saudável simbiose.] …
[Não partindo de, nem procurando estabelecer, nenhuma doutrina, talvez a prática de pensar a vizinhança possibilite o crescimento de uma comunidade que não se esteie em nenhum princípio objetivo, mas unicamente num reconhecimento do, e aproximação ao outro mediado – neste caso - pela arte. De resto, a utopia da emancipação dos indivíduos pela arte é um projeto que surge recorrentemente na História da Arte do século xx, sendo possível encontrá-la em diversos movimentos artísticos. Talvez a resposta não resida, afinal, em aproximações pedagógicas ou lúdicas, mas apenas em aproximações per se, em contactos banais do quotidiano, nos espaços de todos os dias.]

Texto de Vera Carmo e João Ricardo Moreira in “A Mola” Jan / Fev / Março


sput&nik thewindow
Rua do Bonjardim, 1340
4000-123 Porto
Portugal
(metro: Estação Marquês Hospital de S. João - D. João II)

+351 919 010 716
sputenik169@gmail.com
Quinta a Sábado 17h30/20h30 (por marcação)

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